quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

As promessas de lucros extraordinários

Às vezes, apostadores são piores que pescadores. Adoram contar vantagem e exagerar em seus sucessos. Lucros de 100% ao mês parecem normais, qualquer um com um mínimo de inteligência parece ser capaz de dobrar seu pequeno stack inicial em menos de trinta dias. Em um dos fóruns em português, há até quem jura ter conseguido 859% em 19 dias e que garante que não foi um sucesso extraordinário.
Ora, vamos aos cálculos. Um ganho de 100% ao mês corresponde a um ganho, com juros compostos, de 409.500% ao ano (lembre-se que 2^12 é 4.096). Calculando os juros compostos em seguida de ano em ano, em 10 anos você estará com 1,32*10^39. Por certo, será a pessoa mais rica da galáxia.
Mas podemos supor que você apenas quer ser a pessoa mais rica do mundo e precisa de 50 bilhões para isso. Porém só tem mil reais no bolso, proveniente do FGTS que você recolheu depois de ser demitido por justa causa. E você só aguentaria esperar por dez anos para poder torrar a grana acumulada. Quanto você precisaria de rentabilidade mensal? Por ano são necessários 488,7% de rendimentos reais, o que dá aproximadamente 16% ao mês.
Em outras palavras, qualquer rendimento de 16% ao mês ou maior já o tornará o homem mais rico da terra em menos de uma década.
Mas vamos supor que você seja humilde e só quer transformar R$ mil reais em um milhão em um prazo de dez anos. Nesse caso, bastam singelos 5,9% ao mês.
Não se deixe enganar. Nenhum pescador conta histórias de quando não pescou nada. Elas não tem graça e não atraem a atenção de ninguém. Mas é o que acontece na maioria das vezes. Peixes grandes, exibidos como troféus, são poucos e cada vez mais raros. Por certo você pescará seus dourados e pirarucus de vez em quando, mas terá de se contentar com bagres ou lambaris no dia a dia.

Depois de um milhão

Todos sabem que um milhão não significa mais muita coisa nos dias de hoje. Ajuda bastante, é claro, mas está longe de ser considerado suficiente para alguém poder ser chamado de rico, como muitos desejam.
Se sua meta é conseguir 10 milhões em 10 anos a partir de um capital de R$ 1 milhão você precisará de um rendimento real anual de 26%. E mesmo assim não irá gastar o dinheiro depois do prazo, porque se você conseguiu tal crescimento, desejará esperar mais dez anos para embolsar cem milhões.
Se a meta for obter 20 milhões em 20 anos a partir do mesmo capital de R$ 1 milhão o desafio é bem mais fácil, 16% — esta é a taxa que muitas pessoas extraordinariamente bem sucedidas operam. Por certo, você não vai achar tal oportunidade em fundos de investimento listados em jornais ou disponíveis em seu banco. E prepare-se para alavancar seu capital algumas vezes e assumir muitos riscos.
O mundo real, no entanto, tem oferecido rendimentos de 3% a 5% ao ano. Em dez anos você chegará a um valor entre R$ 1,34 e R$ 1,63 milhão. Em vinte, 1,80 e 2,65 milhão. Mas se você cruzar uma época difícil, de baixo crescimento econômico e demografia declinante, ou de governos interventores, de graças se conseguir manter intacto o seu capital. Não é raro termos taxas de juros negativas. Aliás, é muito comum, para o desespero dos poupadores.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Os grandes prêmios lotéricos são aconselháveis?

A Mega Sena da Virada não foi uma novidade brasileira. No mundo inteiro, as loterias nacionais têm se dedicado, nos últimos anos, a sortearem, esporadicamente, grandes potes milionários cada vez maiores. Por aqui se estuda fazer a Mega Sena da Páscoa, também com o intuito de formar um pote enorme e atrair a atenção do público consumidor.
A princípio, parece uma ideia interessante. Mas sob o prisma das políticas públicas pode não ser. Do ponto de vista econômico, esses grandes prêmios são produtores de desigualdade. Por conta de serem mais difíceis de serem acertadas as combinações, os vitoriosos surgem em pequeno número, contados nos dedos das mãos. A promessa é se tornar podre de rico, ganhar sozinho a bolada e gozar de poder terreno como ninguém.
É difícil imaginar que muitas pessoas façam questão de ganhar R$ 400 milhões ao invés de R$ 4 milhões somente. Para a maioria de brasileiros, o prêmio menor possibilitaria uma renda vitalícia de R$ 10 mil por mês proveniente de rendimentos e a possibilidade de deixar o montante em sua integralidade para seus herdeiros. Pode-se argumentar que um bom apartamento, uma casa na praia, um título de um clube e um par de carros importados de luxo já custam mais do que isso. Mesmo assim, sem sair do razoável, R$ 10 milhões já seriam adequados para sustentar uma vida extravagante por um bom tempo. Valores maiores do que isso, em um país como o Brasil, são desnecessários. A pessoa nem teria o que comprar na maioria das cidades. Teria de se mudar para um lugar mais rico para acompanhar o consumo de bens de luxo, mas isso dificilmente aconteceria, pois a maioria das pessoas prefere ficar entre amigos e parentes.
Sob o aspecto da desigualdade, um ganhador de R$ 400 milhões é muito pior do que 100 ganhadores de R$ 4 milhões. E para o bem estar social também, porque tirou a possibilidade de 99 outros ganhadores realizarem seus sonhos, pagarem suas dívidas e ajudarem seus vizinhos e familiares. O tamanho do pote parece necessitar de alguma média. Não pode ser pequeno, como nas loterias instantâneas, pois a rentabilidade negativa não é compensada pela esperança de se obter uma resposta definitiva para os problemas materiais das pessoas. Mas não pode ser muito grande, pois surge como um prêmio desperdiçado. O dinheiro tem utilidade decrescente. Talvez ganhar R$ 4 milhões traga a mesma alegria e satisfação do que ganhar R$ 400 milhões. Nesse caso, a sociedade estaria melhor se conseguisse produzir outros 99 ganhadores.
Ademais, grandes prêmios parecem produzir mais efeitos negativos. De acordo com o Ministério da Saúde da Nova Zelândia (New Zealand Herald) houve um surto de crescimento de problemas de viciados em jogos de loteria nos últimos anos. Até então, os viciados em jogos se restringiam ao poker naquele país. Mas a promessa do pote milionário em 2009 em paralelo a uma economia em baixo crescimento fez crescer o problema. A causa, em princípio, está no impacto da grande publicidade que esses prêmios possuem e na comoção popular que produzem. Assim, acabam por atingir uma população vulnerável ao vício que estaria numa condição melhor se não fosse diretamente estimulada pelo jogo. No caso em tela, a possibilidade de fácil acesso por meio remoto às apostas parece também ter contribuído com o incremento dos viciados.
De qualquer forma, é difícil falar sobre a regulação das loterias, pois na maior parte das vezes o regulado é o próprio regulador, o governo. De qualquer forma, parece adequado, assim como fazem as empresas privadas que exploram os jogos de azar, alertar os consumidores sobre os riscos potenciais da atividade e criar mecanismos que possibilitam o bloqueio voluntário do jogo. É irônico que as empresas privadas ofereçam tais alertas e instrumentos de segurança, enquanto justamente o governo não apresenta nenhuma ação preventiva. A publicidade é necessária para a divulgação do produto e para que não seja danosa deve informar corretamente o consumidor sobre o que está efetivamente comprando e assumir os riscos solidários de prejuízos potenciais.

As loterias são justas?

Já há algum tempo os economistas tem se debruçado sobre a microeconomia da redistribuição. É um tema muito importante, porque ajuda a entender porque os governos democráticos são mais ou menos redistributivos. Via de regra o que se sabe é que as preferências variam de acordo com diferentes grupos sociais: i) os mais ricos tem aversão à distribuição; ii) as mulheres são mais favoráveis; iii) o efeito da educação, em geral negativo, é ambíguo por causa das ideologias de esquerda que favorecem; iv) é menos favorável naquele com expectativa de aumento de renda e otimista; v) negros a preferem mais do que os brancos, assim como os desempregados; vi) jovens e idosos preferem distribuição, quando comparado às pessoas de meia idade; vii) pessoas com histórico de dificuldades nos últimos anos (desemprego, doença, morte e separação) preferem a redistribuição; viii) ser de família religiosa favorece a redistribuição; ix) viver em contexto de crime e desigualdade também favorece; x) por último, depende de como as pessoas atribuem o sucesso, como se proveniente da sorte ou do esforço. Além da questão das escolhas, não se pode esquecer que mesmo os mais ricos podem defender algum grau de redistribuição, tendo em vista as externalidades educacionais e de segurança que produz.
As loterias se impõe como um desafio teórico para as modelagens microeconômicas. Se assumirmos que não há corrupção, pode-se dizer que são justas sob certo prisma, porque todos concorrem de forma igual. Pobres ou ricos, brancos ou negros, homens e mulheres todos são igualados pela aleatoriedade dos números. Por isso não se vê críticas de que alguém ganhou o prêmio injustamente. Como diz um dos motes da loteria brasileira, "para a sorte todo mundo é igual". A campanha publicitária da Caixa Econômica Federal, deste modo, abraçou a ideia de que apostar na loteria é uma ação livre da desigualdade e aberta a todos de forma transparente.
Mas a loteria é, em si, um instrumento de desigualdade. Ela piora o Índice de Gini, que avalia a má distribuição de renda, porque ao invés de aproximar o indivíduo sorteado para a média de renda da população, coloca-o, provavelmente, ainda mais distante do ponto central — ainda que em outra direção. De forma estranha, a loteria promove a desigualdade de forma justa, mesmo que por meio de um mérito curioso, a pura sorte.
A ideologia capitalista vende a ideia de que o sucesso das pessoas se baseia no trabalho e no esforço. O papo por vezes furado não convence e muita gente pensa diferente, acreditando que as pessoas que enriquecem ou se dão bem assim o fazem porque possuem algum privilégio — são herdeiros, têm cônjuges ricos, parentes abastados ou acesso aos círculos de poder, além da oportunidade e imoralidade de se corromperem — ou simplesmente são sortudas.
Como vimos, pessoas que atribuem o sucesso em um grau maior à sorte e não ao esforço são mais favoráveis a redistribuição. Nesse caso, seriam elas contra as loterias, por que são instrumentos de concentração de renda? Parece-me que não. Esse tipo de gente, é provável, é contra a injustiça mais do que a má distribuição dos recursos. Deseja-se redistribuir para consertar as injustiças do sistema. Mas se existe algum método legítimo de concentrar renda, talvez ele não seja condenável ou possa ser até mesmo desejável, desde que justo.
O mesmo raciocínio talvez possa ser estendido aos outros grupos sociais que são favoráveis a uma melhor redistribuição. Pobres, mulheres, negros, desempregados e jovens, por exemplo, podem preferir a redistribuição pela via da defesa de uma sociedade mais justa com oportunidades menos desiguais, e não por uma defesa da igualdade de renda dos cidadãos. A luta talvez seja pelas regras do jogo e não por seus resultados. Isso quer dizer que ao defenderem a redistribuição, estão, em verdade, defendendo melhores oportunidades de acesso a um grau superior na escala social. A loteria é uma oportunidade aberta a todos.
E o raciocínio inverso talvez seja válido. Brancos, homens, ricos, empregados e profissionais experientes são em maior grau contrários à redistribuição por concordarem com as regras atuais do jogo e as considerarem justas. Talvez esse grupo seja crítico das loterias, por promoverem um método de desigualdade baseado na sorte, que consideram inválido. Pessoas que acreditam nos méritos efetivos do seu sucesso não querem que alguém suba a escala social por pura sorte, por considerarem tal via "injusta", por mais estranho que tal argumento possa parecer, tendo em vista que qualquer um pode participar das loterias em condições iguais.
Novas pesquisas precisam confirmar essas hipóteses. Enquanto isso, resta-nos especular. Pessoas religiosas são a favor da redistribuição, mas provavelmente contra as loterias, por razões culturais. As religiões principais são críticas dos jogos e da vontade de alguém em enriquecer e ter sucesso. Mesmo assim podemos imaginar as vertentes neopentecostais afirmando a validade das loterias por serem justas e equivalentes a bençãos divinas.
Eu, particularmente, penso que a maioria das pessoas toleram bem a desigualdade de renda, em especial quando veem méritos nas diferenças. Aceita-se que alguém que trabalhe muito ganhe mais e tenha mais coisas do que alguém que trabalhe pouco e seja preguiçoso. São poucos aqueles que prefeririam uma igualdade rígida e as péssimas experiências de socialismo real apenas comprovam o lado ruim do rigor distributivo. Mas quase todo mundo quer ver um sistema justo. A sociedade se divide nesse ponto, pois achar que o mundo é justo depende muito de como você está inserido no sistema. Assim, a loteria, na opinião dos injustos, é um instrumento de concentração de renda justo .

As loterias poderiam ser subsidiadas?

Hoje em dia os prêmios das loterias são objeto de pesados impostos em todas as partes do mundo. A princípio, tal escolha de política econômica parece razoável, em linha e nos mesmos moldes da taxação sobre cigarros e álcool. A sociedade não quer, em tese, que as pessoas fumem ou bebam, porque desse modo elas podem trazer externalidades negativas — prejuízos que serão coletivamente distribuídos. Um fumante ou um alcoólatra cedo ou tarde ficarão doentes e o custo de seus tratamentos será incorporado pela rede de saúde pública e socializado. Além disso, outras pessoas não querem compartilhar o risco de estar ao lado de um bêbado ou cruzar a frente de seu carro, tampouco inalar a fumaça cancerígena dos cigarros. Mas o jogo é bem diferente e ainda assim é colocado junto aos demais vícios.
Nenhum jogador compulsivo traz prejuízos diretos para o estado e a comunidade. O único prejudicado é ele mesmo. Pode-se argumentar que alguém descontrolado traz problemas para a família e, portanto, o jogo deveria ser banido, mas é um argumento fraco, pois a sociedade, então, deveria ajudar a família e não interferir na vida do jogador. Pessoas briguentas, ex-presidiárias, desvairadas e indolentes também prejudicam a família, mas nem por isso a coletividade se propõe ajudar seus dependentes. A discussão irrompe numa querela entre direitos individuais e responsabilidade social da família, que dificilmente produz uma resposta convincente. Assim, é difícil sustentar, do ponto de vista técnico e filosófico, a proibição do jogo e por isso a maior parte dos estados os estimula por meio de um monopólio institucionalizado por argumentos tortos.
A função social da loteria é subestimada e raramente é motivo pra conversa. Você não precisa se debruçar sobre pesquisas oficiais de orçamentos familiares para descobrir quem são as classes que mais apostam e fazem suas figas. Basta se dirigir às filas de uma lotérica e analisar o perfil dos desesperados e dos esperançosos. Não são senhores de terno, empresários bem sucedidos pendurados no celular ou médicos vestidos de branco em intervalo de seus turnos. É o povão, como se diz. Mães que buscam um futuro melhor para seus filhos, avós altruístas, desempregados em desalento, fracassados, deprimidos e todo tipo de trabalhador que sabe que jamais conseguirá comprar uma casa ou um carro bom como aprendem ser o correto todo dia nas propagandas de telenovelas. Em suma, a loteria é a última saída, para não dizer a única saída para quem analisa e vê que o sistema é injusto e oferece poucas chances de subir seus degraus de mármore.
Economistas se acostumaram a achar que jogadores de loteria são burros, porque aceitam um retorno esperado de seus investimentos baixo e negativo. Mas esse é o preço da esperança, o custo para manter abertas as chances de uma vida melhor e correta. Todos, em maior ou menor grau, conhecem as probabilidades. Sabe-se que ganhar é um evento raro. Mas não há outras opções à vista e é preciso agarrar as oportunidades quando aparecem. Por isso tanta gente comparece às novenas lotéricas, afinal, o importante é não perder a fé.
Um governo de viés socialista, como a maioria dos latino-americanos de hoje em dia, que propõe, de forma recorrente, ações afirmativas e redistributivas, poderia reverter suas alíquotas incidentes sobre as loterias. Faria um bem social e ajudaria os mais pobres, que são penalizados atualmente pelos impostos regressivos na jogatina.
Atualmente 20% da arrecadação é destinado às despesas de custeio e manutenção de serviços. O governo poderia subsidiar esse valor sem maiores consequências para a estrutura dos jogos. O prêmio líquido poderia ser equivalente a 100% da arrecadação. Dessa forma, não haveria regressividade nos tributos, porque seriam eliminados. Também não seriam os pobres que custeariam as lotéricas, que hoje atuam como correspondentes bancários mas que dependem dos recursos arrecadados como taxas de administração dos jogos.
Um subsídio maior que as despesas seria, no entanto, mais complexo de ser implementado. Imagine que o prêmio líquido fosse equivalente a 120% da arrecadação. Nesse caso, pessoas ricas com baixa aversão ao risco seriam capazes de cobrir todas as combinações possíveis e, ganhando por certo, fariam a loteria perder sentido e ser destituída de sua função social.
Ainda assim, poderiam ser criadas regras que limitassem o volume de apostas por jogador. Isso não seria tão difícil de ser desenvolvido. O sistema hoje já possui o controle de todas as apostas que são feitas e seria simples exigir o CPF dos apostadores e vincular o prêmio exclusivamente ao apostador e não à posse do bilhete, como acontece hoje.
Cada pessoa teria um limite para apostar a cada concurso. Além de limitar a ação de jogadores compulsivos e impedir a entrada de oportunistas, não prejudicaria a população de baixa renda que geralmente faz jogos de custo baixo. Desse modo, a função social da loteria seria garantida e a grande maioria dos jogadores não seria importunada pelas limitações de gastos.
Ora, em última instância o governo nem precisaria de uma estruturada administrativa sofisticada para arrecadar as apostas. Se assumirmos que o importante para as pessoas é participar de uma chance aleatória, e que não há utilidade subjacente ao ato de acertar os números pelo simples prazer de tê-los adivinhado (imaginando um cenário de apostas sem dinheiro), então o governo poderia abolir todo o sistema e elaborar uma premiação periódica baseada no CPF das pessoas. O valor do prêmio seria equivalente a quantia necessária para garantir uma renda vitalícia para o sujeito nos padrões de classe média alta — algo na faixa de R$ 10 mil por mês ou um prêmio único de R$ 4 milhões (similar ao valor mensal se assumirmos um rendimento de 3% ao ano). Tal programa custaria aos cofres públicos pouco mais de R$ 208 milhões ao ano, valor de 1/3 de um estádio de futebol para a Copa do Mundo. E, mesmo  promovendo a desigualdade, seria justo, por mais contraditório que isso possa soar.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Carteira recomendada para fevereiro de 2013

Um mês de poucas mudanças nas carteiras recomendadas. As alterações ocorreram para tornar as carteiras cada vez mais parecidas. Isso significa que pode ser arriscado querer inovar: ao menos em tese todos estão juntos em uma única direção. Se houver aportes de capital na bolsa, significa que se consegue um efeito manada muito significativo. O problema é que talvez não haja ingresso líquido, justamente pela percepção de falta de boas opções.
A Souza Barros continuou com AMBV4, CCRO3, LREN3, TOTS3 e fez uma troca conservadora, RADL3 saiu e entrou RENT3. A Ativa optou por ficar inativa: LREN3, AUTM3, ITUB4 e VALE5 foram mantidas, mas foi excluído o setor elétrico (vinha de COCE3 e EQTL3) para dar lugar a CSAN3.
A Planner deve ter trocado sua equipe, pois ao invés de apostas ruins fora da manada e de contra-tendência, como nos meses anteriores, decidiu-se pelo feijão com arroz: ODPV3, RENT3, ALPA4, MULT3 e TAEE11. Agora parece razoável. Lembremos que TAEE11 foi ideia da XP, que a manteve em carteira assim como a PDGR3, mas continua inovando com AEDU3, ARTR3 e CGRA4.
A única carteira petroteimosa é a da SLW, mas mesmo assim diminuiu sua exposição às commodities com a exclusão de Vale e Gerdau. Tornou-se uma carteira de mercado interno: PETR4, RAPT4, NATU3, BVMF3 e AMBV3.
A Octo continua com medo de desgrudar do Ibovespa: VALE5, SUZB5, ITUB4 e BRML3, como no mês anterior, mas corrigiu sua exposição exagerada ao minério, saindo GGBR4 e entrando HBOR3.
A paixão pela Kroton ainda arde na carteira da Santander (PCAR4, KROT3, KLBN4, EVEN3 e VALE5) e da Geração Futuro (VALE5, KROT3, BVMF3, UGPA3 e LREN3). E a teimoTIMosia é da personalidade da Bradesco (CSAN3, TIMP3, RADL3, DIRR3 e AEDU3) e da Citi (CCRO3, EVEN3 BBDC4, TIMP3 e BRML3). Ainda assim, são todas carteiras equilibradas.
Afora as carteiras publicadas no Valor, vale mencionar outras, como a ultra fundamentalista Socopa (GRND3, OSXB3, VALE4, CSAN3 e SUZB5), pela coragem da parceria com o óleo de Eikex, a despeito do downhill. E a ex-campeã Geral, ainda patinando no ano novo (MDIA3, EZTC3, ALSC3, KLBN3, LREN3, MIL3, NATU3, SMTO3, LEVE3, VLID3), mas com uma carteira cristalina.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O fim das aposentadorias

Escrever a respeito do fim das aposentadorias parece uma decisão proveniente de um pensador muito liberal, que aposta no sucesso das economias de mercado e dos mecanismos autorregulatórios. Mas a discussão é complexa e extravasa os embates típicos das correntes econômicas antagônicas.
Às vezes nos esquecemos o quão recente é a concepção de aposentadoria. Foi inventada, nos países ocidentais, depois dos anos 30 e consolidada somente na segunda metade do século XX. Até então, os familiares e as instituições de caridade cuidavam das pessoas idosas, que só paravam de trabalhar quando estavam incapacitadas.
Quando criaram a aposentadoria, era um excelente negócio para os governos: deram um presente para a população — a promessa de que a partir de algum momento todos estariam protegidos da penúria no final de vida quando o corpo e a mente impossibilitavam de trabalhar — e em troca arrecadaram recursos dos trabalhadores e passaram a gastar a vontade os novos impostos travestidos de contribuições.
Sempre se soube que o sistema previdenciário não se sustentaria no longo prazo. Assim como hoje se sabe que o meio ambiente não se sustenta no longo prazo. Em ambos os casos, o prazo era ou é longo demais para que se consiga juntar a força necessária para realizar mudanças. Ninguém quer abdicar de seu conforto presente em prol de um futuro desconhecido que parece muito abstrato e longe. E ninguém gosta de ser lembrado que existe a possibilidade de você esperar horas em uma fila de bilheteria de um show concorrido e o ingresso acabar bem na próximo da sua vez de comprar.
Conhecíamos uma variável, o padrão de queda persistente nos índices de fecundidade, que sempre ameaçou a sustentabilidade das aposentadorias e por si só já deveria ter sido suficiente para promover debates mais maduros a respeito do tema. Mas as discussões sempre forma emboladas e de difícil digestão: nunca se pode discutir apenas a aposentadoria, porque a conversa sempre extravasou para se pensar qual o papel do estado nas economias, se mínimo ou máximo. As respostas sempre foram polarizadas demais: ou não deveria haver garantia estatal para a aposentadoria ou o estado deveria assumir esse encargo em prol dos cidadãos. Mesmo quando se tentou achar meio termos — um arranjo em que se mescla um piso público e um complemento privado — o caminho intermediário não agradou nem a esquerda nem a direita. Nas disputas de pensamento econômico, nunca houve uma história de concessões.
Fatos novos, aos poucos, surgiram. Desde os anos 80, os estados se endividaram e perceberam que sua capacidade de se expandir e arrecadar mais impostos sem prejudicar demasiadamente a economia havia se deteriorado. A garantia das promessas dos anos dourados ficou muito cara e os governos passaram a enfrentar os dilemas que as restrições fiscais impunham no campo previdenciário. Era evidente, na maior parte dos casos, que as entradas e saídas dos caixas dos sistemas não se equilibravam.
As pessoas começaram a viver mais. Em primeiro, nos países ricos; algumas décadas depois, por todo mundo. Em paralelo, ninguém mais entendia a aposentadoria como uma segurança no final da vida para a eventual incapacidade de trabalhar. Deixou de ser vista como uma garantia de cinco a dez anos de vida digna mesmo com uma inserção de trabalho precária, quando muito, ou uma segurança perante a ameaça de invalidez. Agora as pessoas tinham a expectativa de viver mais vinte ou trinta anos, com qualidade de vida e se considerando livres do fardo do trabalho, quando poderiam gozar a vida tranquilamente. As promessas mudaram de significado. A aposentadoria deixou de ser uma ação de assistência social para se tornar o que se convencionou chamar de direito da classe trabalhadora.
A situação de desequilíbrio se agravou após a crise de 2008 na Europa. Os países que serviam de modelo ao resto do mundo passam a ter sistemas insustentáveis. A dívida pública cresceu a taxas assombrosas e houve uma pressão de gasto maior sobre os recursos estatais. Além disso, entrou-se em uma era de baixos rendimentos das aplicações financeiras, sejam elas provenientes de títulos públicos ou privados. O fermento do bolo, que ajudava no equilíbrio atuarial das contribuições e retiradas, estragou.
Por último, mas não menos importante, os valores em relação ao trabalho mudaram. Aposentar-se passou a ser, em muitos casos, para muitas pessoas, um problema e não uma solução. Nos acostumamos a viver em torno do trabalho: é ele quem dita como usamos o nosso tempo e conforma nossa sociabilidade. Quando não se trabalha, muitos são aqueles que não sabem o que fazer e invariavelmente são acometidos pela solidão.
Os aposentados de hoje demandam trabalhos. Claro que não os penosos e árduos, se puderem escolher. Optam por trabalhos criativos, na maioria das vezes voluntários, nas mais diversas áreas que gostariam de ter desenvolvido mas até então não desenvolveram, como nas artes, na educação, nas aventuras e no conhecimento. O fato inegável é que eles estão muito próximos do universo do trabalho. E não há outro jeito de se usar bem o tempo e de ter convívio social sadio na contemporaneidade.
Com regimes de trabalho mais flexíveis, a tendência é que a grande maioria das pessoas opte por conciliar a renda de alguma forma poupada durante a vida, de modo privado ou estatal, com rendimentos provenientes de trabalhos não extenuantes, que exijam menos horas, e que sejam compatíveis com a idade em que a pessoa se encontra.
Este é, ao meu ver, o fim da aposentadoria como nós a conhecemos. A geração mais nova nem entenderá esse conceito como um prêmio, como muitos entenderam até hoje. Aposentar-se passará a ser cada vez mais parecido com o conceito de ser "encostado" ou "se encostar": um recurso assistencial para aqueles que não tem mais condições de viver no mercado de trabalho ou empreender seus próprios negócios. Portanto, um regime híbrido, em que um piso salarial dado pelo estado garante a subsistência e a própria pessoa deve ser responsável por sua complementação, parece inevitável. Nesse sentido, a aposentadoria, enquanto conceito, voltaria às suas origens, como uma iniciativa da assistência social, e não como um programa elaborado para possibilitar as pessoas não mais trabalharem a partir de uma idade arbitrariamente fixada.