terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

As loterias poderiam ser subsidiadas?

Hoje em dia os prêmios das loterias são objeto de pesados impostos em todas as partes do mundo. A princípio, tal escolha de política econômica parece razoável, em linha e nos mesmos moldes da taxação sobre cigarros e álcool. A sociedade não quer, em tese, que as pessoas fumem ou bebam, porque desse modo elas podem trazer externalidades negativas — prejuízos que serão coletivamente distribuídos. Um fumante ou um alcoólatra cedo ou tarde ficarão doentes e o custo de seus tratamentos será incorporado pela rede de saúde pública e socializado. Além disso, outras pessoas não querem compartilhar o risco de estar ao lado de um bêbado ou cruzar a frente de seu carro, tampouco inalar a fumaça cancerígena dos cigarros. Mas o jogo é bem diferente e ainda assim é colocado junto aos demais vícios.
Nenhum jogador compulsivo traz prejuízos diretos para o estado e a comunidade. O único prejudicado é ele mesmo. Pode-se argumentar que alguém descontrolado traz problemas para a família e, portanto, o jogo deveria ser banido, mas é um argumento fraco, pois a sociedade, então, deveria ajudar a família e não interferir na vida do jogador. Pessoas briguentas, ex-presidiárias, desvairadas e indolentes também prejudicam a família, mas nem por isso a coletividade se propõe ajudar seus dependentes. A discussão irrompe numa querela entre direitos individuais e responsabilidade social da família, que dificilmente produz uma resposta convincente. Assim, é difícil sustentar, do ponto de vista técnico e filosófico, a proibição do jogo e por isso a maior parte dos estados os estimula por meio de um monopólio institucionalizado por argumentos tortos.
A função social da loteria é subestimada e raramente é motivo pra conversa. Você não precisa se debruçar sobre pesquisas oficiais de orçamentos familiares para descobrir quem são as classes que mais apostam e fazem suas figas. Basta se dirigir às filas de uma lotérica e analisar o perfil dos desesperados e dos esperançosos. Não são senhores de terno, empresários bem sucedidos pendurados no celular ou médicos vestidos de branco em intervalo de seus turnos. É o povão, como se diz. Mães que buscam um futuro melhor para seus filhos, avós altruístas, desempregados em desalento, fracassados, deprimidos e todo tipo de trabalhador que sabe que jamais conseguirá comprar uma casa ou um carro bom como aprendem ser o correto todo dia nas propagandas de telenovelas. Em suma, a loteria é a última saída, para não dizer a única saída para quem analisa e vê que o sistema é injusto e oferece poucas chances de subir seus degraus de mármore.
Economistas se acostumaram a achar que jogadores de loteria são burros, porque aceitam um retorno esperado de seus investimentos baixo e negativo. Mas esse é o preço da esperança, o custo para manter abertas as chances de uma vida melhor e correta. Todos, em maior ou menor grau, conhecem as probabilidades. Sabe-se que ganhar é um evento raro. Mas não há outras opções à vista e é preciso agarrar as oportunidades quando aparecem. Por isso tanta gente comparece às novenas lotéricas, afinal, o importante é não perder a fé.
Um governo de viés socialista, como a maioria dos latino-americanos de hoje em dia, que propõe, de forma recorrente, ações afirmativas e redistributivas, poderia reverter suas alíquotas incidentes sobre as loterias. Faria um bem social e ajudaria os mais pobres, que são penalizados atualmente pelos impostos regressivos na jogatina.
Atualmente 20% da arrecadação é destinado às despesas de custeio e manutenção de serviços. O governo poderia subsidiar esse valor sem maiores consequências para a estrutura dos jogos. O prêmio líquido poderia ser equivalente a 100% da arrecadação. Dessa forma, não haveria regressividade nos tributos, porque seriam eliminados. Também não seriam os pobres que custeariam as lotéricas, que hoje atuam como correspondentes bancários mas que dependem dos recursos arrecadados como taxas de administração dos jogos.
Um subsídio maior que as despesas seria, no entanto, mais complexo de ser implementado. Imagine que o prêmio líquido fosse equivalente a 120% da arrecadação. Nesse caso, pessoas ricas com baixa aversão ao risco seriam capazes de cobrir todas as combinações possíveis e, ganhando por certo, fariam a loteria perder sentido e ser destituída de sua função social.
Ainda assim, poderiam ser criadas regras que limitassem o volume de apostas por jogador. Isso não seria tão difícil de ser desenvolvido. O sistema hoje já possui o controle de todas as apostas que são feitas e seria simples exigir o CPF dos apostadores e vincular o prêmio exclusivamente ao apostador e não à posse do bilhete, como acontece hoje.
Cada pessoa teria um limite para apostar a cada concurso. Além de limitar a ação de jogadores compulsivos e impedir a entrada de oportunistas, não prejudicaria a população de baixa renda que geralmente faz jogos de custo baixo. Desse modo, a função social da loteria seria garantida e a grande maioria dos jogadores não seria importunada pelas limitações de gastos.
Ora, em última instância o governo nem precisaria de uma estruturada administrativa sofisticada para arrecadar as apostas. Se assumirmos que o importante para as pessoas é participar de uma chance aleatória, e que não há utilidade subjacente ao ato de acertar os números pelo simples prazer de tê-los adivinhado (imaginando um cenário de apostas sem dinheiro), então o governo poderia abolir todo o sistema e elaborar uma premiação periódica baseada no CPF das pessoas. O valor do prêmio seria equivalente a quantia necessária para garantir uma renda vitalícia para o sujeito nos padrões de classe média alta — algo na faixa de R$ 10 mil por mês ou um prêmio único de R$ 4 milhões (similar ao valor mensal se assumirmos um rendimento de 3% ao ano). Tal programa custaria aos cofres públicos pouco mais de R$ 208 milhões ao ano, valor de 1/3 de um estádio de futebol para a Copa do Mundo. E, mesmo  promovendo a desigualdade, seria justo, por mais contraditório que isso possa soar.

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