quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O fim das aposentadorias

Escrever a respeito do fim das aposentadorias parece uma decisão proveniente de um pensador muito liberal, que aposta no sucesso das economias de mercado e dos mecanismos autorregulatórios. Mas a discussão é complexa e extravasa os embates típicos das correntes econômicas antagônicas.
Às vezes nos esquecemos o quão recente é a concepção de aposentadoria. Foi inventada, nos países ocidentais, depois dos anos 30 e consolidada somente na segunda metade do século XX. Até então, os familiares e as instituições de caridade cuidavam das pessoas idosas, que só paravam de trabalhar quando estavam incapacitadas.
Quando criaram a aposentadoria, era um excelente negócio para os governos: deram um presente para a população — a promessa de que a partir de algum momento todos estariam protegidos da penúria no final de vida quando o corpo e a mente impossibilitavam de trabalhar — e em troca arrecadaram recursos dos trabalhadores e passaram a gastar a vontade os novos impostos travestidos de contribuições.
Sempre se soube que o sistema previdenciário não se sustentaria no longo prazo. Assim como hoje se sabe que o meio ambiente não se sustenta no longo prazo. Em ambos os casos, o prazo era ou é longo demais para que se consiga juntar a força necessária para realizar mudanças. Ninguém quer abdicar de seu conforto presente em prol de um futuro desconhecido que parece muito abstrato e longe. E ninguém gosta de ser lembrado que existe a possibilidade de você esperar horas em uma fila de bilheteria de um show concorrido e o ingresso acabar bem na próximo da sua vez de comprar.
Conhecíamos uma variável, o padrão de queda persistente nos índices de fecundidade, que sempre ameaçou a sustentabilidade das aposentadorias e por si só já deveria ter sido suficiente para promover debates mais maduros a respeito do tema. Mas as discussões sempre forma emboladas e de difícil digestão: nunca se pode discutir apenas a aposentadoria, porque a conversa sempre extravasou para se pensar qual o papel do estado nas economias, se mínimo ou máximo. As respostas sempre foram polarizadas demais: ou não deveria haver garantia estatal para a aposentadoria ou o estado deveria assumir esse encargo em prol dos cidadãos. Mesmo quando se tentou achar meio termos — um arranjo em que se mescla um piso público e um complemento privado — o caminho intermediário não agradou nem a esquerda nem a direita. Nas disputas de pensamento econômico, nunca houve uma história de concessões.
Fatos novos, aos poucos, surgiram. Desde os anos 80, os estados se endividaram e perceberam que sua capacidade de se expandir e arrecadar mais impostos sem prejudicar demasiadamente a economia havia se deteriorado. A garantia das promessas dos anos dourados ficou muito cara e os governos passaram a enfrentar os dilemas que as restrições fiscais impunham no campo previdenciário. Era evidente, na maior parte dos casos, que as entradas e saídas dos caixas dos sistemas não se equilibravam.
As pessoas começaram a viver mais. Em primeiro, nos países ricos; algumas décadas depois, por todo mundo. Em paralelo, ninguém mais entendia a aposentadoria como uma segurança no final da vida para a eventual incapacidade de trabalhar. Deixou de ser vista como uma garantia de cinco a dez anos de vida digna mesmo com uma inserção de trabalho precária, quando muito, ou uma segurança perante a ameaça de invalidez. Agora as pessoas tinham a expectativa de viver mais vinte ou trinta anos, com qualidade de vida e se considerando livres do fardo do trabalho, quando poderiam gozar a vida tranquilamente. As promessas mudaram de significado. A aposentadoria deixou de ser uma ação de assistência social para se tornar o que se convencionou chamar de direito da classe trabalhadora.
A situação de desequilíbrio se agravou após a crise de 2008 na Europa. Os países que serviam de modelo ao resto do mundo passam a ter sistemas insustentáveis. A dívida pública cresceu a taxas assombrosas e houve uma pressão de gasto maior sobre os recursos estatais. Além disso, entrou-se em uma era de baixos rendimentos das aplicações financeiras, sejam elas provenientes de títulos públicos ou privados. O fermento do bolo, que ajudava no equilíbrio atuarial das contribuições e retiradas, estragou.
Por último, mas não menos importante, os valores em relação ao trabalho mudaram. Aposentar-se passou a ser, em muitos casos, para muitas pessoas, um problema e não uma solução. Nos acostumamos a viver em torno do trabalho: é ele quem dita como usamos o nosso tempo e conforma nossa sociabilidade. Quando não se trabalha, muitos são aqueles que não sabem o que fazer e invariavelmente são acometidos pela solidão.
Os aposentados de hoje demandam trabalhos. Claro que não os penosos e árduos, se puderem escolher. Optam por trabalhos criativos, na maioria das vezes voluntários, nas mais diversas áreas que gostariam de ter desenvolvido mas até então não desenvolveram, como nas artes, na educação, nas aventuras e no conhecimento. O fato inegável é que eles estão muito próximos do universo do trabalho. E não há outro jeito de se usar bem o tempo e de ter convívio social sadio na contemporaneidade.
Com regimes de trabalho mais flexíveis, a tendência é que a grande maioria das pessoas opte por conciliar a renda de alguma forma poupada durante a vida, de modo privado ou estatal, com rendimentos provenientes de trabalhos não extenuantes, que exijam menos horas, e que sejam compatíveis com a idade em que a pessoa se encontra.
Este é, ao meu ver, o fim da aposentadoria como nós a conhecemos. A geração mais nova nem entenderá esse conceito como um prêmio, como muitos entenderam até hoje. Aposentar-se passará a ser cada vez mais parecido com o conceito de ser "encostado" ou "se encostar": um recurso assistencial para aqueles que não tem mais condições de viver no mercado de trabalho ou empreender seus próprios negócios. Portanto, um regime híbrido, em que um piso salarial dado pelo estado garante a subsistência e a própria pessoa deve ser responsável por sua complementação, parece inevitável. Nesse sentido, a aposentadoria, enquanto conceito, voltaria às suas origens, como uma iniciativa da assistência social, e não como um programa elaborado para possibilitar as pessoas não mais trabalharem a partir de uma idade arbitrariamente fixada.

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