quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tilt e o desamparo aprendido

O desamparo aprendido (learned helplessness) é um conceito introduzido por Seligman, em 1967, para explicar a gênese do processo depressivo em ratos. Em geral, diante de um estímulo aversivo, os animais buscam a fuga (se afastam daquilo que provocou a dor, por exemplo) ou de esquiva (evitam se aproximar da fonte de estímulos ruins). Porém, diante de estímulos aversivos vindos de eventos não contingentes e incontroláveis (como choques imprevistos nas patas), o animal não tem como fugir ou se esquivar.
Ele não encontra uma boa ação para fugir dos estímulos e entra em um quadro chamado de desamparo aprendido, que é equivalente à depressão nos humanos. O indivíduo não responde mais a estímulos, não age em autoajuda, porque percebe que não tem controle sobre os resultados. Ficar parado economiza energia, que seria desperdiçada na busca infrutífera de soluções para escapar dos estímulos aversivos. Mesmo quando as chances de evitar o estímulo passam a existir, por vezes o indivíduo é incapaz de recobrar sua ação de fuga ou esquiva.
Há muitos estudos sobre o assunto que são de interesse para quem gosta do tema, mas que fogem ao escopo desse texto. O importante é reter os aspectos fundamentais para as apostas esportivas. Muitas derrotas consecutivas trazem a percepção de que não é possível evitá-las e que não temos o controle sobre os jogos. O pessimismo que as derrotas trazem às vezes é generalizado para o restante da vida — a pessoa se acha fracassada, torna-se negativa e introspectiva. A pessoa passa a duvidar que pode conseguir resolver as tarefas (as apostas) com sucesso.
Alguns autores argumentam que o estilo explanatório de cada um afeta o impacto do desamparo aprendido na vida das pessoas. Dizem que pessoas mais otimistas superam com mais facilidade a sucessão de estímulos aversivos incontroláveis. Faz sentido, porque evitam ficar mais tempo prostradas do que o período ótimo. Lembremos que a função evolutiva do desamparo aprendido é fazer o indivíduo economizar energia e interromper o que está fazendo para uma reflexão maior sobre o sistema em que vive, em um processo de introspecção, ampliação cognitiva e pensamento crítico, levado a cabo pelo córtex pré-frontal. Mas há limites para tal, porque não é ótimo que o humano passe muito tempo nesse estado, como muitas vezes acontece.
Há alguns truques para evitar que você entre em um quadro de desamparo aprendido. Em primeiro, é preciso buscar explicações mais realistas para os acontecimentos, sem generalizar para a vida, para o mundo e para o indivíduo — não dizer que o mundo é assim mesmo, que só acontece consigo, que se está sendo perseguido, que é um azar inacreditável e impossível de acontecer normalmente. Se você faz 300 apostas por ano, é muito provável que enfrente sequências de cinco, seis, sete ou oito derrotas seguidas com alguma periodicidade, mesmo tendo em vista que esses resultados foram frutos de eventos implausíveis em seu julgamento (chutes na trave, expulsões, pênaltis, quase gols, frangos, etc.).
Em segundo, diante de cada evento negativo, é preciso conscientemente relembrar dos eventos positivos que aconteceram no passado. Você também passou por sequências de vitórias, já teve sorte algumas vezes, ainda que não tenha atribuído os bons resultados à falta de controle e previsibilidade. Lembre-se que a vida alterna prêmios e punições. Isso é normal.
Em terceiro, evite pensar demais quando ocorrem as derrotas. Os jogadores de poker conhecem bem o processo: aquele que pratica o overthinking para justificar suas jogadas erradas tende a ter um desempenho pior, porque são incapazes de ver os lances com a simplicidade que merecem. Se você pensar demais, é provável que chafurde em elucubrações pessimistas a respeito da vida, do mundo e de sua capacidade (do tipo sou um lixo, a vida é sacana, o mundo é injusto e assim por diante).
Em quarto, busque uma aposta fácil (cotações inferiores a 1.05, que representam uma probabilidade de vitória de mais de 95%) para interromper a sequência ruim. Não pense de forma crítica, questionando a validade dessa aposta fácil para provar suas competências. Apenas aceite que você venceu a aposta e não está mais naquela sequência fatídica de derrotas.
Praticando essas soluções você evitara adentrar no quadro de desamparo aprendido. A principal consequência no mundo das apostas desse quadro é fazê-lo tiltar — você desiste do jogo, faz apostas insanas com o intuito de ganhar ou perder tudo, buscando, assim, remover o estímulo aversivo (o sentimento de impotência diante das derrotas) a qualquer custo. Você só evita o tilt sabendo lidar com os vários passos que conduzem a ele. Se você esperar sentir o tilt para saber como lidá-lo, então será muito tarde e ele te dominará. O tilt é o tipo de inimigo que você não pode ver na frente e que você não pode deixar ele se aproximar. E, para tal, o treinamento é muito anterior, reforçando a mente e a resiliência. Você não se prepara para vencer a briga com tilt, mas treina para não conhecê-lo.

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