terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Uma regra relativamente simples de equilíbrio previdenciário

O debate sobre a idade da aposentadoria nos países desenvolvidos é muito extenso, a literatura é enorme e multidisciplinar, abrangendo economia, demografia, saúde, política e filosofia. Quando é muito difícil fazer um resumo ou uma revisão do estado das artes, talvez seja melhor basear-se em regras mais simples.
Vejamos algumas hipóteses que, uma vez assumidas, ajudam a formular regras de bolso fáceis de refletir sobre o assunto:
i) a idade média de ingresso no mercado de trabalho é de 21 anos.
ii) a expectativa de vida média pra quem já alcançou 21 anos é de 85 anos.
iii) o crescimento demográfico é zero.
iv) a taxa de juros não influencia no balanço previdenciário.

Façamos alguns comentários para explicar cada uma das hipóteses. Quanto maior a idade de ingresso dos jovens no mercado de trabalho, mais difícil fica custear a aposentadoria. Tem sido uma tendência o aumento dessa idade, mas há limites para sua expansão indefinida. Os empregos que envolvem uma formação longa, como de medicina e engenharia, sempre serão poucos comparados a grande maioria das ocupações em uma economia, que não exige uma formação tão demorada.
85 anos de expectativa de vida é um valor bastante razoável e praticamente desconsidera saltos significativos provenientes de avanços na medicina com impacto na longevidade. Reduzindo as mortes violentas dos jovens, que parece ser algo aceitável com maior vigilância e uma política mais racional e liberal em relação às drogas, já vivemos com valores próximos a esse número, mesmo no Brasil.
O crescimento demográfico nulo já é uma realidade nas economias avançadas e nas de desenvolvimento médio. É o caminho natural que os países estão tomando. Claro que muitas nações enfrentam o problema de taxas aquém dos volumes de reposição. Mas políticas governamentais ativas podem trazer as taxas de fertilidade para percentuais desejáveis, para estabilizar a população. Um contingente populacional estável é o que se pode esperar com bastante razoabilidade.
Assumindo uma população estável, a pirâmide demográfica torna-se um prédio demográfico, ao estilo das grandes torres que se afinam nos andares superiores. Não há porque iludir a população que a contribuição previdenciária tem a natureza de uma poupança forçada. No passado os governos venderam essa ideia com o intuito de aumentar os impostos e taxas e desviar recursos para outros tipos de gastos, como os militares e os de infraestrutura. Essa história não cola mais, como dizem. Não há porque, por exemplo, eu confiar no governo para administrar os recursos que eu poupei para a aposentadoria. Não faz sentido tal versão dos fatos. O melhor é assumirmos a verdade: a nossa contribuição previdenciária vai para o bolso de quem está aposentado e o equilíbrio é sempre entre as coortes que pagam e as que recebem. Portanto, se não tem nada a ver com a transposição de dinheiro ao longo do tempo, mas simplesmente com a transferência de renda entre gerações, não faz sentido falarmos de taxas de juros. Só deve observar tais taxas quem está engajado em sistemas de previdência privada.
Vejamos como as hipóteses continuam:
v) a "distância" temporal do início do trabalho ao fim da vida é 64 anos.
vi) para simplificar, as coortes (a quantidade de pessoas dentro de cada parte da geração), ao longo do tempo e da idade, tem o mesmo tamanho. Podemos imaginar que o excedente da expectativa de vida, as pessoas que sobreviveram, preencheria o espaço deixado aberto pelas pessoas que já morreram durante a aposentadoria.
vii) ao menos 20% das pessoas em idade de trabalhar não contribuem. Trata-se do contingente dos desempregados, dos afastados,  dos sonegadores, dos inválidos e dos falecidos durante o tempo de trabalho, em idade ativa. Esse percentual é otimista. Varia de país pra país, de acordo com a qualidade institucional e o montante de benefícios assistenciais. Grande parte desse percentual acaba se aposentando normalmente.
viii) quem se aposenta aceita uma redução média de 20% dos ganhos. Note que esse percentual é o mesmo do grupo que não contribui. O grupo de aposentados não contribui, no entanto.
Como consequência:
viii) Para garantir cada 8 anos de aposentadoria, quem trabalha deve contribuir com 12,5%, ou 1/8, de sua renda. Para se ter 16 anos de aposentado, será preciso uma contribuição de 25% da renda. A idade correspondente é de 69 anos.
ix) Sistemas muito generosos, que permitem as pessoas se aposentarem com 61 anos, implicam contribuição de 37,5%
O mais difícil é entender como se comportam os eleitores. Como regra geral deve-se observar quem ganha e quem perde com a distribuição de renda. O primeiro critério é a expectativa de vida de cada grupo eleitor. Quem viverá mais necessariamente defenderá aposentadoria mais cedo, porque o montante ganho sem trabalhar é bem maior. O interessante é que tal raciocínio é contra-intuitivo. Em geral as pessoas dizem o contrário quando tem a expectativa de morrer antes. Falam que precisam se aposentar mais cedo porque caso contrário não poderão usufruir da aposentadoria.
O grupo dos aposentados em geral parece ser indiferente às mudanças de idade das aposentadorias. Mas não deveria ser. Em princípio deveriam ser, sempre, favoráveis ao aumento do tempo de contribuição, para reduzir o risco de que tenham de dividir o seu pedaço do bolo com novos aposentados.
No mais, pra quem já paga a contribuição, quase sempre será prejudicial uma mudança nas regras com vistas ao aumento do tempo de idade. A exceção se dá por conta daqueles que morrerão antes do que a média das pessoas e cuja redução correspondente da contribuição mais do que compense a perda de ganhos durante a aposentadoria.
Na prática é difícil imaginar as pessoas dispostas a contribuir com mais de 25% de suas rendas apenas para fins previdenciários, sem considerar os demais impostos. Em verdade, creio em um número mais razoável de uma contribuição previdenciária de 12,5%, o que garantiria apenas 8 anos de aposentadoria, ou seja, um limite de idade de 77 anos pra se aposentar.
No fundo, trata-se, antes de tudo, de um problema de distribuição de renda, dos mais ricos (que pagam mais impostos em valores absolutos e contribuem mais) para os mais pobres, dos doentes para os saudáveis e dos homens (que vivem bem menos) para as mulheres. Também transfere renda a geração que paga por um limite de idade baixo e recebe um limite de idade alto. Por fim, vale notar que o grupo que mais se deu bem foi aquele que pagou para ter poucos anos de aposentadoria e recebeu muitos anos, após o aumento da expectativa de vida.

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