sexta-feira, 4 de maio de 2012

A escola de economia da Unicamp está decadente?

Em coluna no jornal Valor econômico, em 29/02/2012, nosso renomado desenvolvimentista José Luís Fiori afirma que a escola campineira perdeu sua capacidade de inovação e criação. Soe estranho um colega de esquerda tecer tais críticas. Mas também soa honesto e enriquecedor. Fiori fala que a escola foi, no passado, "capaz de renovar as ideias e as interpretações clássicas (marxistas e nacionalistas) do desenvolvimento capitalista brasileiro" e responsável por uma "reinterpretação do caminho específico e tardio do capitalismo brasileiro e dos seus ciclos econômicos". O auge ficou nos anos 80 e, a partir dos anos 90, diz o professor, "dedicou-se cada vez mais ao estudo de políticas setoriais e específicas, e para a formação cada vez mais rigorosa de economistas heterodoxos, e de quadros de governo". Fiori escreve, ainda, que as boas ideias de antigamente se transformaram em fórmulas escolásticas, e que ao invés de ampliar o horizonte utópico converteu-se em uma ideologia tecnocrática incapaz de mobilização social.
A provocação do ensaio é ótima, mas a qualidade de seus argumentos não é. Ora, ao menos dois processos observados, o estreitamento do campo das possibilidades e o enfraquecimento das utopias, por um lado, e a dificuldade de mobilização social, por outro, são globais e afetam a todos. Não se trata de algo que mesmo os prepotentes líderes da escola campineira pudessem arquitetar uma superação. Em outras palavras, são problemas que todos enfrentam, de sindicatos a universidades, de partidos políticos a associações de bairro. Numa democracia fria, a capacidade da escola campineira empolgar, aquecer e mobilizar declinou, sem dúvidas. Boas ideias continuam a nascer por lá, em grande parte porque ainda atrai os melhores alunos do país alinhados com a esquerda econômica. Mas uma ideia, por mais revolucionária, inovadora e criativa, não ecoa hoje como há 40 anos atrás.
Quanto à dedicação à formação de economistas heterodoxos, trata-se de uma virtude e não de um defeito. Ora, as funções primordiais da universidade são o ensino e a pesquisa. Que bom saber que levam a sério seus alunos, aulas e pesquisas científicas (das quais decorrem o estudo de políticas setoriais e específicas). A escola seria decadente se estivesse presa à luta política morna de hoje em dia e fosse negligente com a qualidade das suas pesquisas e da formação de seus estudantes. Na Unicamp, são justamente os líderes de ontem, os piores professores de hoje, porque não sabem lidar de forma adequada com o ensino e pesquisa.
Sem dúvida, existe algum grau de tecnocracia. Mas num grau muito menor do que nas escolas ortodoxas — essas sim, profundamente tecnocráticas, porque não dão margem para uma compreensão histórico-estrutural da economia e possuem uma modelagem dura dos indivíduos e da sociedade, que nem sempre é boa para pensar a prática.
Ademais, na Unicamp, não somente um modelo é usado. São várias correntes que são exploradas e aprofundadas. É raro observar tal mistura, criativa e enriquecedora, em qualquer outra escola de economia do mundo. Kaleckianos, schumpeterianos, pós-keynesianos, keynesianos, estruturalistas, desenvolvimentistas, institucionalistas e marxistas convivem e trocam ideias. Difícil imaginar ambiente mais propício à formação de algo novo. O avanço é lento, no entanto, porque a formação desses quadros e a maturação intelectual demora. A produtividade é menor, porque a massa crítica, quando se tem tantas correntes, é pequena. Mas esses são custos de se estar na fronteira do conhecimento heterodoxo.

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